segunda-feira, 31 de março de 2008

A princesa Alafiá

Era uma vez uma princesa chamada Alafiá que morava no reino de Daomé no continente africano. Certo dia, durante uma festa na cidade da princesa, seu reino foi invadido por homens que possuíam armas de fogo. Apesar de todo povo ter lutado bravamente, não conseguiram resistir muito tempo, pois as armas dos invasores eram mais eficazes que o armamento do reino. A menina, seus pais, que eram rei e rainha da cidade e muitos de seus irmãos foram sequestrados para serem escravizados em uma terra muito distante.

Enfrentaram uma longa viagem marítima, dentro de um grande navio, empilhados como mercadoria, amarrados e espancados. Por causa desses maus tratos muitos deles morreram. Desembarcaram depois de muito tempo em uma terra bonita, mas não era a África que tanto amavam e eram felizes. Nesta terra Alafiá foi separada de seus pais. Esse momento foi muito triste, ela nunca esqueceu o rosto de sua mãe, que chorava muito, no momento da separação.

Quando a princesa chegou ao lugar chamado fazenda, juntamente com muitos de seus irmãos negros, foi escolhida para fazer companhia para uma menina que todos chamavam de sinhazinha. Sinhazinha tinha pele e olhos claros, cabelos compridos, usava belos sapatos e vestidos, era bela a menina. Alafiá tinha a pele negra como a noite, olhos grandes e escuros, crespos cabelos e era tão linda quanto sinhazinha.

O tempo foi passando Alafiá aprendeu a língua dos senhores da casa, assim como todos os outros escravizados. Crescia fazendo companhia para a menina e vendo seu povo sofrer de tanto trabalhar, apanhar e receber vários castigos. Ela nunca se conformava com àquela situação e desejava no fundo de seu coração, que todo aquele sofrimento terminasse, queria de fato, libertar a todos.

A princesa não esquecia de sua terra natal. Nunca esquecia das festas, das brincadeiras com outras crianças, das danças e principalmente do fato de ser uma princesa, uma princesa africana.

Quando Alafiá dizia a alguém que era uma princesa, todos riam e diziam que ela estava maluca, que não passava de uma mucama, além de não se parecer nada com uma. As pessoas diziam isso, porque as princesas que conheciam eram sempre de pele e olhos claros, longos cabelos, vestiam-se com belos sapatos e vestidos. Alafiá explicava que ela também era uma princesa e que todos os príncipes, princesas, reis e rainhas da África eram todos lindos e negros como a noite.

Com o passar do tempo Alafiá tornou-se uma linda mulher e sempre com o mesmo desejo: libertar seu povo. Descobriu que muitos de seus irmãos, não aceitando aquele tipo de vida, fugiam para um lugar chamado Quilombo, onde se refugiavam com outros escravizados que fugiam de outras fazendas. Alafiá procurou saber onde ficava o tal Quilombo e tomou uma séria decisão: que iria ao encontro de seus irmãos negros para lutar contra a escravidão.

Em uma bela noite, tão bela quanto Alafiá, a moça esperou todos dormirem, pulou a janela da grande casa, passou pela senzala onde dormiam os escravos e enfiou-se mata a dentro. Andou durante toda noite, de manhã parou para comer um pedaço de bolo e beber um pouco de água que levava consigo. Caminhou o dia todo, parou somente duas vezes para se alimentar, pois era muito forte e resistente.

Quando anoitecia novamente, Alafiá ouviu ao longe um som de tambores, semelhante ao que ouvia nas festas em sua terra natal e na senzala à noite quando o senhor da casa deixava os negros se reunirem. A moça seguiu animadamente a melodia, que vinha do alto de uma montanha. Quanto mais ela corria em direção ao som, mais ele aumentava.

De repente Alafiá chegou a um lugar onde todos dançavam felizes em volta de uma fogueira. No momento em que aquelas pessoas viram a moça, correram ao encontro dela, deram-na o que comer e deixaram que ela dormisse o resto da noite, pois estava muito cansada. De manhã Alafiá contou a todos sua historia, tudo que viveu até aquele momento. Passou daquele dia em diante, morar ali e tornou-se muito amiga e querida por todos.
Um jovem que era líder e guerreiro do Quilombo apaixonou-se por Alafiá e ela por ele. Aprendeu a lutar e cavalgar brilhantemente com o rapaz e cada vez mais apaixonados, casaram-se.

Todas as vezes que os guerreiros iam libertar outros irmãos, ou quando o invadiam o Quilombo para tentar exterminá-lo, Alafià lutava bravamente ao lado de seu esposo e com os outros guerreiros.

Apesar de muita luta e dificuldade, a jovem princesa sentia-se feliz, pois conseguiu levar a vida lutando por aquilo que acreditava, além de encontrar um grande amor.

Sinara Rúbia
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Outras histórias da princesa Alafiá

Outras Histórias da Princesa Alafiá

A criação do mundo

A princesa Alafiá veio para o Brasil no navio negreiro junto com seus pais e muitos irmãos negros. Quando foi seqüestrada em sua Terra, o reino de Daomé, tinha apenas doze anos de idade. Ao chegar na fazenda, onde viria a ser escravizada, foi escolhida para viver como mucama de uma Sinhazinha. Alafiá sempre que podia ia até a senzala ver se algum de seus irmãos negros precisavam de ajuda, mas a princesa sabia que a grande ajuda que ela poderia dar seria liberta-los.

Alafiá vivia na Casa Grande, mas não se achava melhor que os escravizados que ficavam na senzala; ela sabia que era uma escrava também e o fato de comer e dormir melhor que alguns deles, não a tornava diferente. Quando completou 19 anos, a jovem fugiu para o Quilombo e foi viver junto das pessoas que não aceitavam aquele tipo de vida, que procuravam fugir e lutavam contra aquela opressão. No quilombo Alafiá era muito amiga e querida por todos, além de ser uma grande guerreira, pois lutava bravamente defendendo o Quilombo ou libertando escravizados.

Quando era noite, Alafiá reunia todas as crianças que moravam no Quilombo em volta de uma fogueira para contar histórias de sua terra. Alafiá dizia para as crianças que essas histórias passavam de geração a geração, de pais para filhos, dizia também que essa era uma forma de manter viva a memória de seu povo. Uma das histórias que não só as crianças, mas todos gostavam de ouvir, era a história da criação do mundo. A jovem contava que o Ser Supremo Olorum, que vivia no Orum, o céu, com seus filhos chamados de Orixás, ordenou a um de seus filhos Oxalá que criasse o mundo. Entregou-lhe um saco cheio de matérias e disse a ele que antes fazer a grande obra oferecesse um presente a Exu, orixá que tem o poder de mudar as coisas e sem a sua ajuda nada se cria. A caminho de executar o grande feito Oxalá pensou: “Daqui algumas horas vou criar o mundo e tudo que nele há, criarei também o homem e a mulher. Serei o Grande criador do mundo e da humanidade. Por que tenho que ficar agradando Exu?” - e foi embora sem presentear Exu, que ficou muito zangado com o descaso de Oxalá e resolveu dar um jeito de atrapalhar seus planos.

Na caminhada, Oxalá sentiu muita sede e não havia água por perto. Então Oxalá espetou a palmeira com seu cajado e tirou um maravilhoso e delicioso vinho. O grande Orixá bebeu além da conta, colocou o saco Criação no chão, deitou debaixo da palmeira e caiu num sono profundo. Naquele momento passava por ali Odudua, um outro filho de Olorum. Odudua sabia da grande missão de Oxalá e queria muito as glorias daquela missão. O irmão de Oxalá antes de sair de casa ofereceu presentes a Exu que logo tratou de recompensá-lo. Exu pegou o saco da Criação e o entregou a Odudua, que com as coisas que estava no saco, criou o mundo. Fez a terra, os minerais, os bichos, as plantas e tudo mais, enquanto Oxalá dormia embriagado.

Quando Oxalá acordou e se deu conta do que havia acontecido, correu até Olorum e contou como fora enganado por Odudua, o Criador do mundo. Olorum ficou muito aborrecido com Oxalá e lhe impôs vários castigos pela sua imprudência. Porém, o homem ainda não havia sido criado e então Olorum ordenou a Oxalá completasse a criação. Os homens se multiplicaram e povoaram o mundo e adoram Oxalá por tê-los criado. Ele é chamado de o Grande Pai. Mas, como castigo por sua falta de cuidado, Oxalá não pode beber vinho de palma, nem comer coisas extraídas da palmeira como azeite de dendê e nem comidas deliciosas feita com óleo da palmeira como: vatapá, caruru, acarajé, xinxim de galinha.

Depois que Alafiá contava uma de suas histórias, todos se reuniam em volta da fogueira e ao som de tambores dançavam num ritmo alucinante. Formava-se uma grande roda e todos acompanhavam com palmas e repetiam o coro. Dentro da roda sempre duas pessoas dançavam mexendo o corpo no marcado o ritmo com um dos pés. Sempre que uma pessoa de fora entrava para dançar, outra saía.

Eram assim as noites no Quilombo, depois de um dia de muito trabalho, planos, luta, resistência e sobrevivência. Nascia ali uma nova cultura, a partir da união de povos de língua e hábitos culturais diferentes e que tinham em comum o fato de terem sido raptados de suas terras no continente africano, a cor da pele e o som dos tambores.Sinara Rúbia

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